sábado, junho 25, 2011

SILÊNCIO E SOMBRA



O Silêncio


Quando a ternura 
parece já do seu ofício fatigada, 


e o sono, a mais incerta barca, 
inda demora, 


quando azuis irrompem 
os teus olhos 


e procuram 
nos meus navegação segura, 


é que eu te falo das palavras 
desamparadas e desertas, 


pelo silêncio fascinadas. 

Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"
Imagem colhida na net

sexta-feira, junho 10, 2011

COMO ASAS




Quando eu morrer

Quando eu  morrer,não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

M.do Rosário Pedreira
Imagem encontrada na net

sexta-feira, junho 03, 2011

MEMÓRIAS VELADAS


PAIRA DESOLADO UM VÉU

Paira desolado um véu de nuvens,
ao declinar da chama que morre pelas tardes.

Acendem-se devagar os ecos do passado,
o lume cortante do hábil sílex transitório,
desde os nossos tetravós da terra rigorosa.

O coar do dia acresce um dízimo fio de água
vindo do mais remoto das profundezas,
para mitigar a nossa sede,
as nossas quotidianas esperanças
noutros esplendores azuis de céus e estrelas.

Mas é tarde para a repetida veleidade
dos vencidos.

Para que são estas quotidianas memórias
senão para acender outras distantes estrelas
e entender o efémero do presente?

Para que é o esplendor de céus azuis
senão para prolongar a eternidade
da luz, escorrendo sobre nós?

E ao declinar da tarde, despimo-nos da fé.

Já não é possível olhar o céu de ontem.

Os nossos filhos também aprendem devagar
com a última passagem dum corpo
sobre a terra.

Poema de VIEIRA CALADO
no livro POR DETRÁS DAS PALAVRAS




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